Cristianismo
O Decreto Eterno de Deus - Robert L. Reymond
Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.
Ainda que Deus sabe tudo quanto pode ou há de acontecer em todas as circunstâncias imagináveis, ele não decreta coisa alguma por havê-la previsto como futura, ou como coisa que havia de acontecer em tais e tais condições (Confissão de Fé de Westminster, III/i-ii).
TODO CRISTÃO terá ou uma teologia centrada em Deus, ou uma teologia centrada no homem. O cristão que dá à Bíblia o seu devido lugar, aprenderá que, assim como o fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-Lo para sempre, assim também o fim de Deus é glorificar e gozar a Si mesmo para sempre. Ele aprenderá a partir das Escrituras que Deus Se ama com um amor santo, e de todo o Seu coração, alma, mente e força, de forma que Ele mesmo está no centro de Suas afeições, e este é o impulso que Lhe dirige, e a coisa que Ele busca em tudo o que Ele faz é a Sua própria glória! Ele aprenderá que Deus criou todas as coisas para a Sua própria glória (Isaías 43:7,21), mais especificamente, para que Ele possa proclamar através da igreja Sua “multiforme” sabedoria aos principados e potestades nas regiões celestes (Efésios 3:9-10); para Sua glória, louvor e honra (Jeremias 13:111), Ele escolheu Israel; por amor do Seu nome e para fazer conhecido o Seu poder, que Ele livrou o Seu povo antigo repetidamente, após eles terem se rebelado contra Ele (Salmos 106:7-8), e foi por amor do Seu nome que Ele não os rejeitou (1 Samuel 12:20-22), poupando-os vezes após outra (Ezequiel 20:9,14,22,44), e tendo misericórdia deles e refreando-Se para não exterminá-los (Isaías 48:8-11). Ele aprenderá também que Jesus veio a primeira vez para glorificar a Deus, fazendo a vontade e a obra do Pai (João 17:4,6), em todo detalhe da salvação que Jesus adquiriu, e que Ele mesmo gozou a Deus, para evocar para Ele o lugar de Sua gloriosa graça (Efésios 1:6,12,14), e que Jesus está vindo novamente “para ser glorificado em Seus santos naquele dia, e para ser admirado em todos os que tiverem crido” (2 Tessalonicenses 1:9-10).
Assim, o crente não deve hesitar em declarar que o próprio interesse - glorificar a Si mesmo - é central para o plano eterno de Deus. Nas palavras da Confissão de Fé de Westminster, "Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece" (III/i), e
pelo decreto de Deus e para manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna. (III/ii, ênfase adicionada)
Sem controvérsia, esta é certamente uma das “profundezas” da sabedoria divina [1].
Com respeito àqueles da humanidade predestinados para a vida eterna, a Confissão declara que
Deus, antes que fosse o mundo criado, segundo o Seu eterno e imutável propósito, e segundo o santo conselho e beneplácito da Sua vontade, escolheu, em Cristo, para a glória eterna, de Sua mera e livre graça e amor, sem previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso O movesse, como condição ou causa; e tudo para o louvor da Sua gloriosa graça. (III/v, ênfase adicionada)
Com respeito “ao resto da humanidade”, a Confissão ensina que
Deus foi servido, segundo o inescrutável conselho da Sua própria vontade, pela qual ele concede ou recusa misericórdia, como Lhe apraz, para a glória do Seu soberano poder sobre as suas criaturas, em não contemplar os restos dos homens, e ordená-los para a desonra e ira por causa dos seus pecados, para louvor da Sua gloriosa justiça (III/vii, ênfase adicionada)
Esses dois grupos não ultrapassam o destino que foi divinamente determinado arbitrariamente por parte de Deus tanto pelo que eles pudessem crer ou fazer, isso por que,
assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim também, pelo eterno e mui livre propósito da sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim.” (III/vi).
assim também é Ele quem opera a obra de expiação de Seu amado Filho, bem como efetua a chamada eficaz dos eleitos, além de operar a regeneração pelo Espírito através do arrependimento e fé que são forjados no coração humano, sem contar o Seu próprio ato de justificação e sua conseqüente obra de santificação. E, por outro lado, também é verdade que a determinação de Deus de “não contemplar” o resto da humanidade, o que é designado por “preterição”, do latim “praeteritio”, estava embasado somente no inescrutável conselho da sua própria vontade, consiste na determinação de destinar para a desonra e ira (condenação) levando em conta por que realmente merecem tendo provocados a Sua ira santa – com os seus pecados.
Deus começou a executar o seu plano ou propósito eterno (Ef. 3:11) mediante a sua obra da criação (Breve Catecismo – Pergunta 8). De fato, desde a criação do mundo até o presente momento Deus tem continuado a executar o seu propósito eterno de glorificar-se através do exercício providencial de seu altíssimo poder, inescrutável sabedoria, e infinita bondade, sua providência se estende a todas as suas criaturas e todas as suas ações –
até à primeira queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, e regula e governa [todos os pecados dos anjos e homens] em uma múltipla dispensação (V/iv - ênfase adicionada)
“Foi Deus servido permitir” o pecado de Adão “segundo o Seu sábio e santo conselho” [conselho que existia eternamente em sua perfeição antes da criação do mundo] “havendo determinado ordená-lo para a sua própria glória.” (VI/i – ênfase adicionada). Pelo seu pecado, Adão decaiu de seu estado de retidão original (status integritatis) – um estado em que lhe era possível pecar ou não pecar (posse pecare aut posse non pecare) - e “assim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas as suas faculdades e partes do corpo e da alma” (status corruptionis) (VI/ii) – estado em que não lhe era mais possível não pecar (non posse non pecare). E por que Adão era o cabeça pactual (federal) representativo da sua raça por divina disposição, seu primeiro pecado com suas corrupções foram imputadas à toda humanidade descendente dele por geração ordinária (VI/iii). Conseqüentemente, toda humanidade (com a única exceção de Cristo que não descende de Adão por geração ordinária) é considerada por Deus pecadora em Adão. E por causa de sua representação em Adão e também por sua própria corrupção e pecado todos os homens estão continuamente decaindo da santidade ética e dos padrões de retidão da Lei de Deus (Rm. 2:23), e assim estão debaixo da sentença de morte.
Mas de acordo com Seu gracioso propósito eletivo, Deus apraz-se em salvar os seus eleitos, e salvá-los eternamente, por meio da morte expiatória de Cristo em favor e em lugar deles e pela aplicação por meio do Espírito Santo dos benefícios redentores de Cristo para eles. E para tanto, os eleitos seguramente crêem em Cristo para a salvação de suas almas, ainda que em nada contribuam, no final das contas – finalmente -, determinativamente, para essa salvação. Tudo o que trazem para sua salvação são os seus pecados e depravação moral pelo que precisam ser salvos. A salvação do inicio ao fim pertence, final e totalmente, ao Senhor (Jonas 2:10), para o louvor de Sua gloriosa graça (Ef. 1:6, 12, 14).
O DEBATE ACERCA DA SOBERANIA DIVINA E A LIBERDADE HUMANA
Oponentes da Fé Reformada, dentro e fora da Igreja insistem que se tudo isso for verdade, emerge um horrível e insolúvel problema. Especificamente, se Deus preordena tudo que se passa, a única conclusão que alguém pode logicamente esboçar é que o homem não é realmente livre; e se o homem não é realmente livre quando está ante os cursos incompatíveis de ação e estão mais diante de escolhas divinamente determinadas que em ultima análise são traçadas por Deus. Logo, como poder livrar Deus da acusação de ser o “autor do pecado” e como responsabilizar o homem por suas descrenças e desobediências?
Teólogos arminianos têm argumentado que somente esse problema é suficiente para demonstrar o caráter antibíblico do pensamento reformado. J. Kennedy Grider, citando Arminio, argumenta que o pensamento reformado nesse sentido é “repugnante à sabedoria, justiça e bondade natural de Deus e à natureza livre do homem” e “faz Deus o ‘autor do pecado'” [2]. Em sua bibliografia Grider remete o leitor ao amplamente aclamado volume de ensaios, editado por Clark Pinnock, intitulado Grace Unlimited, que esposa a teologia arminiana [3]. O próprio Pinnock está convencido de que Deus não pode responsabilizar os homens pelos seus pecados sob as condições que estão descritas pelos teólogos reformados. No capitulo em que ele contribui ao volume intitulado “Liberdade Responsável no Decorrer da Historia Bíblica”, apresenta uma carregada rejeição de qualquer forma de predestinação que infringe a liberdade humana. Considerando que essa posição sobre a matéria é representativa do pensamento arminiano em geral, empregarei o artigo de Pinnock como um modelo e o analisarei [4].
A Tese de Pinnock
Repudiando pelo nome as concepções de alguns notórios estudiosos reformados como Loraine Boettner, J.I, Packer, e John H. Gerstner (101) organiza/ prepara ao longo de sua própria interpretação da Escritura dados em suporte da sua posição extraídos de Mortimer J. Adler, Gordon D. Kaufman, Walther Eichrodt, Antony Flew, Karl Barth e Karl Rahner, nenhum deles infelizmente evangélicos, para não ficar apenas em Arminio, e com seu enfoque doutrinário. (Este fato por si é suficiente para manter cauteloso o leitor para as conclusões de Pinnock). Mas apoiados nestes expoentes, Pinnock mantém através do seu capítulo que os homens são agentes morais livres indeterminados pela vontade divina. Observa que a liberdade humana deve ser “a mais profunda das percepções humanas” (95) e uma “autopercepção fundamental”. Estabelece que “o homem universal quase que sem exceção fala e sente como se fosse livre” (95 – ênfase do autor), e dessa forma que “a liberdade humana é a precondição para responsabilidade moral e intelectual” (95). Pinnock está persuadido que “quando uma teoria avança, no campo filosófico, teológico, ou psicológico, no sentido de negar essa intuição de liberdade, vai de encontro com a auto-percepção humana básica e está a ponto de sobrepujá-la.” (96).
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NOTAS:
[1] - O assunto da ordem dos decretos é tratado na terceira parte, capítulo 30, "O Plano Eterno de Salvação de Deus".
[2] - J. Kenneth Grider, “Arminianism”, in Evangelical Dictionary of Theology (Grand Rapids, Mich.: Baker, 1984), 79-81.
[3] - Clark Pinnock, ed., Grace Unlimited (Minneapolis: Bethany, 1975). Todas as referências às afirmações de Pinnock que se seguem são provenientes deste livro.
Fonte: Capítulo 10 do livro “Uma Nova Teologia Sistemática da Fé Cristã”, de Robert L. Reymond.
Tradução livre: Felipe Sabino de Araújo Neto e Anamim Lopes Silva
Fonte: www.monergismo.com
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