A Igreja evangélica e um desafio à teologia reformada
Cristianismo

A Igreja evangélica e um desafio à teologia reformada


A Igreja evangélica brasileira não se reformou ainda na perspectiva de uma genuína assimilação da teologia da Reforma. É fácil constatarmos isso:
 
A Reforma dizia: "Só a Escritura, só Cristo, só a Graça, só a Fé".  Mas nem nestes fundamentos básicos somos totalmente reformados.
 
Uma igreja que diz: "Só a Escritura é o referencial absoluto de aferição de todas as realizações  da vida e da salvação, sendo ela a própria Palavra de Deus", não pode disciplinar pessoas em função da "tradição dos seus anciãos", ou de um "Talmude denominacional regionalizante", ou de uma "Mishná evangélica" interpretativa da Palavra de Deus. Quem diz "só a Escritura é a Palavra de Deus", não admite mais que estatutos e regimentos internos de igrejas, se quebrados, possam dar base à disciplina de crentes. Disciplina-se mais na Igreja do Brasil por quebra de estatuto/regimento interno, do que por desobediência cínica à Palavra de Deus.
 
Uma igreja que diz: "Só a Escritura é a Palavra de Deus", também diz: "toda a Escritura é Palavra de Deus". Por esta razão, não departamentaliza a Bíblia e a teologia, não dispensacionaliza a revelação; ao contrário, prega-a toda, compromete-se com ela toda. A Reforma, por meio dos reformadores, disse que há uma única palavra escrita de Deus, e que ela está na Bíblia. Mas jamais disse que a hermenêutica dos reformadores era a hermenêutica de Deus. Na Reforma, tem-se a Bíblia como a Palavra de Deus, mas não se tem nenhum manual que absolutiza sua interpretação. Ter um catecismo como referencial de saúde hermenêutica e interpretativa é bom. Mas ter qualquer catecismo como revelação fechada, é a negação da própria realidade da Reforma.

Uma igreja que diz:  "só Cristo é a Encarnação de Deus, sendo Ele, o único Senhor e Salvador", tem que assumir as implicações disso. Tal afirmação faz do Jesus histórico a maior interpretação da Bíblia. "O Verbo se fez carne". Diante disso, a Escritura tem que ser lida e entendida não apenas a partir da tradição ou das regras hermenêuticas de laboratórios teológico e filosófico; e, nem tão pouco, somente a partir de exegeses letristas e filosóficas. Mas ao contrário, a Escritura tem que ser entendida na sua totalidade, a partir da encarnação. A partir da práxis dela na vida de Jesus de Nazaré: único que fez da palavra, carne viva e histórica no chão do mundo, nas tramas da existência; tanto individual, quanto coletiva.

Além disso, uma Igreja que diz: "Só Cristo é o Senhor", não pode conviver com caudilhos; seja dentro ou fora da Igreja. O Senhorio de Cristo, conforme entendido pelos reformadores, não era apenas íntimo, subjetivo, comportamentalista e individualista; mas, sobretudo, concreto, perceptível, historiável, mensurável, conflituoso, combativo, ativo e consequente. A Igreja que diz: "Só Cristo é o Salvador",  não diz que a Igreja de Cristo é a salvadora. Mas entre nós, na maioria das vezes, só estão arrolados no livro da Vida, as fichas que estão no "rol" da secretaria. Misturar tais coisas, é grave, cheira a idolatria, implicando em ignomínia para a cruz de Cristo. Não sou contra haver fichamento em secretaria, pois é algo útil para controle gerencial, mas há quem misture o lado administrativo e o que é eterno.

Também uma igreja que diz: "Só pela Graça de Deus se é salvo", não pode criar qualquer tipo de elitismo espiritual; seja ele produzido pelo moralismo, pelo comportamentalismo, pela assimilação da sub-cultura evangélica. As intermináveis questões sobre matéria que se opõem à santidade do espírito, sobre as aparências de piedade, aviltam e ridicularizam a Graça como aceitação do ser humano diante de Deus.

A Graça que aceita é também a Graça que transforma. A Graça que perdoa é também a Graça que santifica.

Uma igreja que diz: "Só pela fé", não pode inventar esquemas litúrgicos, mecânicos, mágicos e supersticiosos salvação. Se é pela fé, então é pela fé em Cristo. A igreja evangélica brasileira ou postula subconscientemente a salvação pelos usos e costumes, ou a postula pela fé na fé.

A crise do protestantismo brasileiro está na causa da Fé: a graça de Deus; está no objeto da Fé: o Cristo histórico; está na consequência da fé: arrependimento, discipulado e compromisso. Entre nós, a Fé não está em crise. Mas, sim, sua causa, seu objeto e sua consequência. E uma fé sem causa, objeto e consequência; está morta.

Este é, de maneira sumaríssima, o desafio teológico da Igreja Brasileira. Minha convicção é de de falta em nós, tanto conhecer nossas raízes, quanto discernir seu conteúdo teológico e suas consequências históricas práticas.

Quando isso acontecer, a Igreja Evangélica Brasileira deixará de ser um desafio negativo à Teologia da Reforma e passará a ser um desafio positivo à própria realidade brasileira.





 
 



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