Cristianismo
HISTÓRIA DA IGREJA NO SÉCULO XIX
Com certeza a descoberta (ou afirmação) da ciência ocupou o espaço de grandeza ou novidade deste século, ou melhor, de todo este início do período que chamamos de Contemporâneo . Os seres humanos - ou pelo menos aqueles que tinham condições concretas para isto – encantaram-se com seu próprio saber, seu próprio conhecimento acumulado e como este poderia vir a ser metodológico, e grande parte da intelectualidade ocupava-se da construção destes processos e metodologias do saber, difundido como “ciência”. Os “Homens cultos do período não estavam apenas orgulhosos de suas ciências, mas preparados para subordinar todas as outras formas de atividades intelectuais a ela.”
Muitas foram as descobertas e as novas terminologias utilizadas por esta classe de novos intectuais 'científicos' que surgia:
“(...)As palavras- chave da filosofia e ciência em meados do século passado eram “natureza”, “meio ambiente”, “história”, “evolução” e “crescimento”. Marx havia dito que a consciência humana era um produto da base material de uma sociedade. Darwin mostrou que o homem era produto de uma longa duração biológica e o estudo de Freud sobre o inconsciente deixou claro que as ações dos homens freqüentemente são devidas a certos impulsos ou instintos “animais”, próprios de sua natureza(...)”
Devemos nos situar, percebendo que o mundo da fé deste momento já não era mais monopolizado pela Igreja Católica, a Europa já havia passado por quase dois séculos de modificações protestantes. Estava repleto de igrejas nacionais, igrejas protestantes independentes, grupos e instituições de fins missionários protestantes levavam esta nova fé a muito povos que logo deixavam de ser Católicos, Ortodoxos, etc. Porém podemos perceber que os reflexos destas novas teorias (evolucionismo, antropocentrismo, etc) que se difundiram, foram o mais diversos, dependendo da instituição. No caso da Igreja católica:
“(...)A Igreja (Católica) protestou veemente e a ciência na Inglaterra se dividiu. Na verdade isso já era de se esperar, pois Darwin sempre tinha contestado o fato de se atribuir a Deus o ato da criação. Alguns poucos fanáticos, porém, chegaram a afirmar que seria um feito ainda maior criar algo que já trouxesse dentro de si a possibilidade latente de evoluir,em vez de criar para todo o sempre alguma coisa pré estabelecida em todos os seus detalhes(...)”
É bom frisar que quando Jostein Gaarden, na afirmação acima, diz que 'alguns fanáticos', apesar de tudo, defendiam a criação como um ato divino e apresentavam tudo quanto se descobria como mais uma prova da sabedoria divina, precisamos considerar que estes 'fanáticos' não eram tão poucos assim e que naquele período a explicação 'teológica' do mundo estava muito presente no meio da intelectualidade.
“(...)Em muitos círculos de estudiosos na época de Darwin era corrente a suposição de que Deus teria criado a terra havia cerca de seis mil anos. E as pessoas tinham criado esse número contando todas as gerações desde Adão e Eva até o presente(...)”
Fato é que as afirmações de Darwin, foram seguidas de ataques a fé feitos por muitos outros intelectuais da época . Esta nova noção da realidade não teve nem início e nem fim neste período. É um teólogo que afirma:
“(...)Com Kant (1724-1804), inicia-se um novo modo de pensar o homem. Kant o via como cidadão dos dois mundos: o mundo material e o mundo espiritual. Segundo ele o Homem só pode adquirir um conhecimento prático ou moral do mundo, de si mesmo e de Deus; jamais um conhecimento absoluto. A partir dessa forma de pensar, na qual o pensamento metafísico e o da razão pura são questionados. O Homem começa ser visto sob diversas formas e por diferentes pensadores, tais como: Darwin ( 1809-1882), o Homem biológico-evolucionista; Kierkegaard (1813-1855), o Homem existencial ; Marx (1818-1883), o Homem econômico; Freud ( 1856-1939), O Homem instintivos e outros(...)”
A conseqüencia quase que imediata, às afirmações de Darwin e dos mais diversos filósofos, cientistas e ‘sociólogos’ (se é que já podemos chamar Comte de Sociólogo), é o surgimento de um sentimento de desprendimento das estruturas eclesiásticas, de independência. Pois se outrora elas estavam ali, dentro do Estado, sendo mantidas por ele e até monopolizando serviços públicos (casamento, enterros, registro de crianças, etc), em troca de uma esperada ‘reconciliação com a divindade’, ou melhor: em troca das respostas que estas denominações (principalmente Igreja Católica) pudessem oferecer às mais difíceis questões da vida: a origem, a morte, os infortúnios, etc.
Ora, agora diante das novas teorias, já se negava até mesmo a ‘criação’, e diante da dúvida gerada, propunha-se que a resposta à estas questões fosse de foro íntimo, de direito particular e não público. Não mais o Estado deveria endossar o que seria a ‘verdade’, diante das dúvidas apresentas, mas sim daria liberdade ao indivíduo para que esse em seu pleno estado de racionalidade pudesse escolher. Assim surge uma forte campanha de Laicização do Estado, mas que trazia no seu interior uma também forte laicização do pensar e do agir.
“(...)Chamamos de secularização ou laicização do pensamento o cuidado de se desligar das justificativas baseadas na religião, que exige adesão pela crença, para só aceitar as verdades resultantes da investigação racional mediante argumentação(...)”
Essa campanha pela laicização social também foi conhecida como ‘campanha anticlerical’, pelo fato de suas principais propostas serem voltadas para o fim da participação clérica no Estado.
“(...)O anticlericalismo era militantemente laico, na medida que pretendia tomar da religião qualquer status oficial na sociedade (“desestabelecimento da igreja”, separação da igreja do Estado”), deixando-a como uma questão puramente privada. Deveria ser transformada em uma ou diversas organizações puramente voluntárias, análogas aos clubes de colecionadores de selos, somente que em dimensões maiores(...)”
O interessante é que esta campanha não apenas envolveu adeptos do darwinismo ou homens ateus (isso ainda não era tão comum assim), mas também autoridades que queriam ver-se livres dos mandos e desmandos da Igreja.
“(...)Mas isso não se baseava tanto na falsidade da crença em Deus ou qualquer versão particular dessa crença mas na crescente capacidade administrativa, amplitude e ambição do Estado laico – mesmo na sua forma mais laissez-faire e liberal- que estava decidido a expulsar organizações privadas daquilo que então considerava seu campo de ação(...)”
A Igreja, obviamente reagiu, atacando de todas as formas a raiz deste mal: o pensamento científico e a produção de conhecimento. O resultado foi uma Igreja Católica mais fechada ainda.
“(...)Em certo sentido, diante da ameaça da reforma laica, a Igreja reagiu da mesma forma como havia feito no século XVI com a Contra-Reforma. O catolicismo, agora totalmente intransigente, recusando qualquer acomodação com as forças do progresso, industrialização e liberalismo, tornou-se uma força muito mais poderosa depois do Concílio Vaticano de 1870 do que antes(...)”
A fé, porém, foi pouco abalada.
Em sua clássica obra, A Era do Capital, o historiador Hobsbawm nos fornece uma série de argumentos que nos fariam acreditar que, por fim, no século XIX a Religião estava derrotada, porém ele mesmo contraditoriamente afirma que até mesmo entra muitas pessoa cultas a religiosidade e o culto permaneceram. Inclusive alguns estudos afirmam que este foi o período em que as camadas mais pobres tiveram a oportunidade de descobrir uma religiosidade mais legítima: nacional, protestante, de língua nativa, etc. Nas palavras de Hobsbawm:
“(...)Na medida em que as classes médias estavam em questão, o declínio da religião era, como vimos, inibido não apenas pela tradição e fracasso em larga escala do racionalismo liberal em fornecer um substituto emocional coletivo para o ritual e a fé religiosa (exceto talvez através da arte), mas também pela relutância em abordar um pilar de estabilidade, moralidade e ordem social tão valioso, talvez tão indispensável(...)”
O homem, não sabe viver distante da ‘transcendência’ ou sem procurá-la. Gostaria de aqui recordar o caso de Augusto Comte, grande estudioso, proponente de muitos métodos científicos, criador de uma gama de ‘ciências humanas’ e grande filósofo, que em seus últimos anos dedicou-se a estruturar aquilo que deliberadamente chamou de “Religião da Humanidade”. Ela à semelhança das demais religiões possui dogmas, cultos e regimes, templos e capelas; sacramentos,sacerdotes e assim por diante. Todavia, uma particularidade distingue-a radicalmente: ela é uma religião "positiva" ou "científica", no sentido de que não venera um ser superior sobrenatural.
Comte nos pareceria como um caso isolado de desvaneio cenil, se não houvesse sido seguido por muitos na estruturação de tal igreja que possui templos em vários lugares do mundo. É claro que hoje tal estrutura encontram-se em instinção, pelo poder de apelo da concorrência e desvaneio da idéia inicial.
Mas ainda assim quem lê este artigo pode imaginal que Conte possa ter sido o único ater tal alusão, de dentro do ‘laico’, construír algo que imitasse ou recorresse ao religioso. Falo das mas diversas sociedades secretas que surgiram, ou pelo menos alastraram-se na Europa e na América por este período. Estas instituições, por detrás de suas encurtinas ‘lojas’, guardavam em suas fileiras, o qua havia de mais ‘racional’ ou ‘científico’, dentre os intelectuais e políticos.
“(...)A metade do século XIX está plena de rituais laicos inventados, especialmente nos países anglo-saxônicos, onde sindicatos elaboraram faixas alegóricas e certificados.Sociedades de ajuda mútua, cercada por sua vez com parafernália da mitologia e do ritualismo nas suas “lojas”,membros da Klux-Klan, Organgemen e outras ordens políticas menos “ secretas” exibiam suas vestimentas. A mais antiga e sem dúvida a mais influente de todas as sociedades secretas, ritualizadas e hierarquizadas estava de fato comprometida com o pensamento livre e o anticlericalismo pelo menos fora dos países anglo-saxônicos: os francos-maçons(...)”
Se estes poucos dados levantados, podem nos mostrar, ou levar a alguma conclusão, talvés esta seja que o ser humano ainda não está pronto, ou nunca estará, para abandonar o conforto e a segurança que as relações (que atualmente chamam-se de ) míticas proporcionam. A ordem e a justificativa pela fé ainda eram, na Era do Capital, e ainda são, nos dias de hoje, o conforto e a esperança de uma multidão.
O autor Volker Elis Pilgrim, em uma de suas obras, na qual faz uma bibliografia crítica da vida pessoal de Karl Marx, vai mais a fundo e afirma que este grande ícone do pensamento ateu nada mais é do que o resultado de uma esperança mítica de justificação pela ação cientícica, que lhe foi incutida, inculcada, desde a infância pelos pais, que distantes da sua fé de origem, o judaísmo, sentiam esta necessidade.
Pilgrim afirma que os pais de Marx eram advogado, e que por serem judeus estavam proibidos de exercer suas funções dentro do país:
“(...)Ou procurava um outro trabalho e enfrentava um futuro incerto ou saía da comunidade de fé judaica, assegurando para si, dessa maneira a prosperidade já conquistada. Hirschel e Henriette decidiram-se pela segunda alternativa. Hirschel converteu-se primeiramente ao protestantismo. O seu batismo deve ter sido realizado antes do dia 1o de março de 1818.(...)”
O traumático resultado foi:
“(...)Segundo as regras ortodoxas (judaicas) o abandono da religião significa a morte social. “ Um judeu que renega sua fé comete um pecado grave, pois não é apenas culpado no sentido pessoal e sim trai seu povo e seus ancestrais.Ele é tratado pelos membros da sua família e pelos seus companheiros de fé como um falecido. Karl nasce no meio dessa situação de conflito da família.(...)”
Como conseqüência os pais de Marx colocaram suas esperanças em uma espécie de compensação:
“(...)O seu filho nascido nesse momento deveria tomar a si a reparação, deveria justificar a sua decisão a posteriori, tornar-se um bom pai(novo), que concorda com o passo que deram, um “rabino secularizado”(...)”
Ensinado a odiar o cristianismo desde a infância e vítima de grande ódio da comunidade judaica (parentes), desde jovem Marx constrói textos expressando esta raiva e no período da maturidade em suas teses econômicas e sociais, ele afirmará que “A Religião é o Ópio do Povo”.
As conclusões que podemos chegar variam muito, porém quero salientar que nada do que um período vive e de suas idéias expressam pode ser isolado das influências que sofria. Neste caso uma das formas de influência é a negação. A Influência oposta, que ocorre quando alguma ideologia nos traumatiza com sua incoerência ou total desleixo com nossas necessidades. Foi o caso do Catolicismo Medieval, e suas terríveis façanhas, ao qual devemos tudo o que surgirá em contraposição a ele.
Cresce o protestantismo independente.
Partindo do princípio de que as populações não vivem sem experiências e vivências religiosas, e que muitas delas já possuíam uma repulsa pelas instituições eclesiásticas tradicionais, podemos compreender o grande crescimento de igrejas protestantes independes e nacionais, que possuíam culto e bíblias em língua nativa, que falavam a linguagem de seu povo e iam ao seu encontro.
O fato é que apesar de muitos historiadores (tais como Hobsbawm) menosprezarem os ocorridos religiosos deste século, estes foram muito diferentes de tudo do que ocorreu anteriormente na Europa. E, segundo minhas pesquisas em muitas fontes, ao mesmo tempo que a Europa vivia sua “era do capital”, ou sua “primavera dos povos”, mudanças e conquistas sociais, também floresciam muitos grupos e lideranças de um movimento que também veio a transformar a forma de viver destas populações: o protestantismo.
Faço abaixo um breve apanhado dos acontecimentos relativos a este crescimento protestante e aos evangelistas que foram responsáveis por ele nos principais países da Europa.
Na França:
“(...)Napoleão Bonaparte concedeu a liberdade e reconheceu a Igreja protestante, mas ligada ao Estado, e paga pelos fundos nacionais. No século XIX esta Igreja foi dividida, e os mais fieis separaram-se do Estado(...)”
Na Inglaterra:
“(...)No ano de 1859 houve uma revivificação no Norte da Irlanda e no Norte da Escócia, e a Inglaterra sentiu seu efeito. Durante dez anos em seguida houve uma grande onda de evangelização no país, e muitos foram convertidos. Poucos anos depois veio D.L. Moody da América do Norte para suas campanhas de pregações, e com ele Sankey, o cantor evangélico. Visitaram todas as cidades principais dos três reinos, e milhares foram convertidos. Nos maiores salões das cidades não cabia metade do povo que queria assistir às suas pregações(...)”
Nas áreas urbanas inglesas:
“(...)Preocupados com o clamor dos pobres, Willian Booth e sua esposa, Catherine fundaram em 1865 uma missão aos pobres, localizada em um área periférica de Londres, o East End. Aquele começo em uma humilde tende deu início ao Exército de Salvação (...) ao redor do casal de evangelistas estavam lares superlotados, nos quais havia violência familiar, bebedeira prostituição e desemprego. A prosperidade marca da classe média vitoriana, não se estendia a região de East End(...)”
Na Escócia:
“(...)Havia lugares remotos das cidades grande, no Norte da Escócia, onde o povo continuava meio-selvagem. A revivificação de 1859 alcançou estes lugares(...)”
Na Suíça:
“(...)Nos princípio o século XIX houve um avivamento espiritual. Roberto Haldane, um escocês, pregou em Genebra, e diversos estudantes de Teologia receberam uma grande bênção espiritual; como Malan, Teodor Monod, Merle d’Aubigné, que vieram a ser pregadores notáveis, havendo o último escrito a “História da Reforma” obra traduzida em diversas línguas(...)”
Itália:
“(...)(Conde) Guicciardini foi convertido desta maneira, e achando grupos de crentes, que eram pessoas humildes, reuniu-se a eles. No ano de 1851 foi promulgada uma lei, instigada pelos jesuítas, proibindo as reuniões e o Conde foi obrigado a sair de sua pátria, e ir para a Inglaterra, onde gozava de comunhão com os crentes. Ele foi o meio da conversão de um patrício de nome Rosseti. Quando veio a liberdade, no ano de 1871, Guicciardini voltou à Itália, pregou e ensinou até a sua morte(...)”
Na Irlanda:
“(...)João Nelson Darby, (era) um ministro da igreja Irlandesa, cargo que deixou para ministrar a Palavra de Deus em diversos países. Outro pregador independente, no princípio do século XIX, foi Gideão Ousely, que viajava a cavalo e pregava mesmo a cavalo nas aldeias e cidades. Pertencia a uma antiga família irlandesa de boa posição, mas associava-se com os humildes camponeses, conversando sobre o Evangelho de maneira muito simples. Um ministro evangélico independente chamado Thomas Kelly, formou diversas congregações na Irlanda no princípio do mesmo século, e escreveu muitos hinos que estão em uso geral na língua inglesa, e alguns estão traduzidos em português. No Norte, no Ulster protestante, no ano de 1859, houve um revivificação, e nesta ocasião centenas de pessoas foram convertidas entre todas as classes(...)”
Na Rússia:
“(...)Membros da Sociedade dos Amigos (Quakers) visitaram a Rússia e foram bem recebidos pelo Tsar, que sempre mostrou muita amizade a esta denominação (...) O Imperador concedeu todas as facilidades à Sociedade Bíblica Britânica para propagar a Palavra de Deus em seu vasto domínio. A Sociedade, enviou um agente chamado Melville, que didicou 60 anos de sua vida a divulgação das Escrituras na Rússia(...)”
Nos Estados Unidos:
“ (...)Seguindo os passos da tradição avivalista, estabelecida por Charles Finney, Moody trouxe o evangelismo para a era industrial. Pregava um evangelho simples, livre de divisões denominacionais. Isso expandiu sua influência, assim como o apoio que recebia. Moody fez alianças de peso com comerciantes respeitáveis,que foram os líderes da nova geração, e não os pregadores. Ele insistia que os homens colocassem suas riquezas em boas causas, como cuidar dos pobres em áreas urbanas. Moody trouxe técnicas de negócios para o planejamento evangelístico(...)”
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