10.2 primeiro, Simão. O fato de Pedro ter sido citado por primeiro nesta ocasião não significa, de forma alguma, que ele tinha autoridade superior aos demais, como ensina a Igreja Romana. Aqui não foi utilizada a palavraartios, que significa “primeiro” no sentido de “líder” (Strong, 746), e sim protos, que significa primeiro “em alguma sucessão de coisas ou pessoas” (Strong, 4413). É digno de nota que arche (que expressa liderança ou autoridade no grego) nunca foi utilizada para Pedro no NT. Por outro lado, em Gálatas 2:9 Pedro é apenas osegundo a ser mencionado, quando o assunto em questão são as colunas (autoridades) na Igreja. Se Pedro fosse o líder supremo e Sumo Pontífice dos cristãos, seria imprescindível que ele sempre aparecesse em primeiro, ainda mais quando o assunto em questão está relacionado a liderança. Mas o que vemos é que Pedro não era nem a única coluna, nem a primeira coluna.
10.5 não ireis pelo caminho dos gentios. O evangelho teria que ser anunciado primeiramente aos judeus (Jo.1:11), e só depois da rejeição dos judeus seria espalhado por toda a terra (Mc.16:15).
10.8 recebestes de graça, dai de graça. Diferente de muitos que lucram através da fé vendendo seus produtos ou extorquindo o povo em seus púlpitos, o ensino cristão é de que tudo aquilo que nós somos e que nós temos veio de Deus, e veio de graça, razão pela qual não temos que lucrar com algo que não veio de nós. Seria como se alguém te emprestasse um relógio de graça, e você vendesse este relógio a outra pessoa, lucrando através dele. Deus vai pedir contas de cada pessoa que fizer isso (1Tm.6:5; 2Co.2:17).
10.15 será mais tolerável para os da terra de Sodoma. O versículo transmite a ideia de um juízo maior sobre aquele que recebeu mais conhecimento, e de um juízo menos rigoroso para aquele que teve menos oportunidades de conhecer a verdade do evangelho. “Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que ele deseja, nem o realiza, receberá muitos açoites, mas aquele que não a conhece e pratica coisas merecedoras de castigo, receberá poucos açoites” (Lc.12:47-48). Jesus também disse que no dia do juízo haverá menor rigor para Tiro e Sidom (que tiveram menos oportunidades de ouvir a verdade) do que para Corazim e Betsaida, porque estes viram os milagres de Cristo e mesmo assim o rejeitaram (Mt.11:21-22). É por isso que “nós, os que ensinamos, seremos julgados com maior rigor” (Tg.3:1). Cristo também deixou claro que “se eu não tivesse vindo e lhes falado, não seriam culpados de pecado; agora, contudo, eles não têm desculpa para o seu pecado” (Jo.15:22), e que “se vocês fossem cegos, não seriam culpados de pecado; mas agora que dizem que podem ver, a culpa de vocês permanece” (Jo.9:41).
Em outras palavras, o princípio da proporcionalidade equilibra a questão. Se por um lado é verdade que um teve mais conhecimento (e consequentemente mais chances de aceitar Jesus), por outro lado também é verdade que este será julgado com maior rigor do que aquele que recebeu menos. Esta lei de proporcionalidade retira toda e qualquer acusação de injustiça na questão do livre-arbítrio, e coloca todos sob um mesmo patamar final. Deus nunca trabalhou de maneira injusta e arbitrária, mas sempre de forma justa e igualitária, mesmo que a igualdade atue mediante fatores que equilibram.
10.23 não acabareis de percorrer as cidades de Israel, até que venha o Filho do homem. Não se refere à segunda vinda gloriosa de Cristo nas nuvens, no fim dos tempos (Mt.24:30), mas sim à vinda em juízo contra Israel, que espiritualmente aconteceu em 70 d.C, quando os judeus foram destruídos pelos romanos. É a confusão presente na falta de distinção entre a vinda em juízo e a vinda em glória que causa enganos escatológicos como o preterismo completo (pós-milenismo).
10.28 não podem matar a alma. Embora alguns imortalistas usem essa passagem em favor da imortalidade da alma, ela implica no aniquilacionismo final, pois a continuação lógica de um texto que diz que os homens podem apenas matar o corpo mas não podem matar a alma é que Deus destruirá tanto um como o outro. Não há a menor lógica em dizer que os homens podem matar apenas o corpo e não a alma se Deus também só matasse o corpo e não a alma. A mensagem sobre temer a Deus mais do que temer aos homens só faria sentido caso Deus matasse mais do que os homens são capazes de fazer, isto é, se os homens pudessem dar fim a existência apenas do corpo enquanto Deus dá fim a existência do corpo e da alma. Aqui a destruição está claramente no sentido de aniquilação, e não apenas de “fazer perder” ou de “lançar”, como vertem algumas traduções. De outra forma, o texto estaria dizendo que os homens matam apenas o corpo e não a alma e Deus também mata apenas o corpo e não a alma. Isso obviamente anularia toda a mensagem de não temer quem pode dar um fim apenas ao corpo, se Deus da mesma forma também só desse um fim ao corpo!
A conclusão imortalista de que não é para temer aqueles que só podem matar o corpo, mas era para temer aquele que também só mata o corpo, não é nem um pouco razoável. O texto implica na destruição final do corpo e da alma dos ímpios. “Alma”, neste texto, está no sentido de vida póstuma (a vida que se obtém com a ressurreição), como muitas vezes ocorre nos evangelhos (Mt.16:26; Lc.21:19; Jo.12:25), e não no sentido primário de um ser vivo (Gn.2:7). O sentido do texto é que os homens podem dar um fim somente a esta vida terrena (representada pelo corpo), mas não podem fazer nada em relação à outra vida (a vida eterna). Deus, contudo, tem o poder tanto para dar um fim à existência terrena, como à eterna. Um ímpio pode matar um crente nesta vida, mas não pode tirar a vida eterna dele. Deus, porém, pode destruir um ímpio nesta vida e por toda a eternidade.
Esta interpretação também é corroborada por dois elementos textuais. O primeiro é que Jesus não falou do Hades, mas do geena, no original grego. Embora a BLIVRE tenha optado pela palavra “inferno” indiscriminadamente, o Hades é o nome dado à sepultura coletiva onde todos vão após a morte e antes da ressurreição, enquanto o geena é o local final de punição aos ímpios, após a ressurreição. Jesus não diz que após a destruição corporal a alma seria lançada no Hades, mas no geena, o que mostra que ele não contemplava um estado intermediário, mas estava falando do estado final – da vida que se obtém após a ressurreição. O segundo é que Lucas, ao transcrever este mesmo texto em seu evangelho, retira o termo “alma”, preferindo ir direto ao significado do texto (v. nota em Lc.12:4-5). A razão pela qual Lucas optou em nãotranscrever as palavras exatas de Jesus, mas o seu significado, é que o discurso poderia possivelmente ser mal interpretado, com alma em um sentido diferente do expresso por Cristo (Lucas escrevia a leitores gregos, que tinham em mente o conceito platônico de alma). E na transcrição de Lucas não há nenhum indício de sobrevivência da alma, o que mostra que ele não entendia o texto de Mateus da mesma forma que os imortalistas o entendem. Se o sentido fosse que a alma sobrevive após a morte, ele não teria feito qualquer alteração, pois isso não seria necessário.
10.29 sem [a vontade de] vosso Pai. A parte entre colchetes inexiste no Textus Receptus. O sentido mais provável é de consentimento, e não de vontade (v. tradução NVI, baseada no Texto Crítico). O que Deuspermite não é necessariamente causado por ele (v. nota em Ef.1:11).
10.32-33 Confessar ou negar Jesus publicamente não se refere somente ao ato de dizer publicamente que Jesus é o único e suficiente salvador (o que também é importante), mas diz respeito à vida como um todo, principalmente a quando estamos fora do local de culto. Podemos sempre confessar ou negar Jesus em nossas vidas com nossos atos. Alguém que se une à mesa dos imorais com conversas de baixo nível, xingamento ou promiscuidade, está negando Jesus publicamente com suas ações. Está mostrando que Jesus não está nele, e que ele ainda não se libertou do mundo. Quem é amigo do mundo não pode ser amigo de Deus (Tg.4:4). Em contrapartida, aquele que publicamente decide abrir mão de certos valores que são contrários à fé cristã, por amor a Cristo, está confessando-o publicamente. Quem se recusa a fazer parte da roda dos escarnecedores (Sl.1:1), a ir a festas imorais com amigos não-cristãos, a compactuar com zombaria ou deboches a outra pessoa, a assistir filmes indevidos que todo mundo vê, a usar sua boca para proferir baixarias e xingamentos – esse mostra publicamente que ama mais a Cristo do que o mundo, mesmo sabendo que pode ser ridicularizado pelo mundo por não seguir os valores que o mundo ensina (v. nota em Jo.12:43).
10.34 não vim trazer paz, mas a espada. “Espada” aqui está no sentido de divisão, de discórdia, inclusive entre pessoas da própria família (vs.35-36). A mensagem aqui transmitida é que é necessário colocar Cristo acima de todas as coisas – inclusive acima da própria família – e que essa posição por Jesus pode causar a discórdia de outros. Muitas pessoas conhecem Jesus antes de seus próprios pais ou irmãos, que são contra essa conversão, o que gera um conflito dentro da própria família. O que fazer? Buscar a paz familiar abandonando Cristo e voltando ao mundo, ou se tornar “inimigo” (v.36) do mundo por amor a Cristo? Ele responde a esta questão logo em seguida, dizendo que “quem ama pai ou mãe mais que a mim não é digno de mim; e quem ama filho ou filha mais que a mim não é digno de mim” (v.37).
10.38 toma sua cruz. V. nota em Lc.9:23.
10.39 achar sua vida... perder sua vida. V. nota em Lc.9:24.