Cristianismo
A MENSAGEM DE JUDAS AOS LÍDERES CRISTÃOS - PARTE 03
Existe uma tendência de pensar que as coisas relacionadas à Igreja, a Deus e ao homem — especialmente o charlatanismo espiritual, do tipo praticado largamente hoje em dia — não têm maiores conseqüências na vida. Judas, no entanto, pensava diferente!
Toda "mentira espiritual" é duplamente maligna. Primeiramente por ser mentira e também por ser dita em nome de Deus. Mesmo as nossas muitas mentiras para a glória de Deus são abomináveis. Mentiras para a glória de Deus são essas nas quais se diz que houve cura quando não houve, ou que houve um "milagre total" quando houve apenas uma "passageira melhora". Mente-se muito em nome de Deus!
É preciso discerni-los para não imitá-los, pois o fim deles é trágico: "Ai deles!" (Verso 11). É por essa razão que Judas, quando pretende mostrar quais as conseqüências históricas de se viver como dissimulador, cita exemplos do passado.
DISCÍPULOS DE CAIM
Judas diz que a vivência da Síndrome acaba conduzindo a pessoa pela mesma estrada existencial, moral, emocional, psicológica e espiritual de Caim:
"Prosseguiram pelo caminho de Caim" (verso 11).
De acordo com a narrativa do Gênesis, a caminhada de Caim foi definida por quatro marcas iniludíveis.
1. Ele foi uma pessoa que deu mais valor às ofertas espirituais aparentes do que à essência que habita o fundo do ser e aparece na existência mediante uma vida bonita. O problema não estava na oferta, mas na vida, nas obras, que não eram justas. O procedimento de Caim não era bom! Como se pode prestar um culto agradável a Deus quando o procedimento não é bom?
2. Ele foi uma pessoa que se encheu de inveja amargurada quando viu a graça de Deus agindo na vida de seu irmão.
Quando Caim viu a graça de Deus permeando a existência de Abel, ele odiou a Abel e a Deus. Caim era diferente de Barnabé (Atos 11:23,24). Por isso, quando ele viu a graça de Deus operando em Abel, seu coração se encheu de ódio. A Bíblia não diz que era ódio contra Abel. Era ódio contra os cúmplices: Deus e Abel (Gn 4.5). Caim já havia assassinado Abel no coração. O homicídio histórico era questão de tempo.
3. Ele foi uma pessoa que transformou a mente num canto escuro onde o homicídio aconteceria sem testemunhas. O tremendo nesse episódio é o fato de que o apóstolo João associa o homicídio praticado por Caim com todo sentimento de ódio que uma pessoa dirige a outra: "Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino; ora, vós sabeis que todo assassino não tem a vida eterna permanente em si." (1 Jo 3.15). Na mente de João o que aconteceu com Caim não era impossível de se repetir na Igreja. Daí ele tomar cuidado para que não se praticasse o homicídio emocional, "seguindo-se pelo caminho de Caim" (verso 11).
4. Ele foi uma pessoa que alegou irresponsabilidade para com o destino de seu irmão, conforme Gênesis 4:9. A última expressão do ódio é a indiferença. Por isso é que Jesus diz que o critério último mediante o qual as pessoas serão julgadas, é o da solidariedade, que é o oposto à omissão homicida e fria (Mt 25.31-46).
DISCÍPULOS DE BALAÃO
Judas descreve mais um retrato acerca de como é a trajetória do portador da Síndrome de Lúcifer, dizendo que muitos deles podiam se identificar perfeitamente com o personagem bíblico Balaão: "Movidos de ganância, se precipitaram no erro de Balaão." (Verso 11.)
Balaão foi um homem possuidor de um tremendo e inegável carisma (Nm 22.6). Tamanho era o poder espiritual que ele exercia que se cria que ele podia lançar maldição sobre toda uma sociedade (Nm 22.5). Também a Bíblia não deixa dúvida de que Balaão era alguém que tinha "contatos" diretos com Deus (Nm 22.9,20; 23.5, 16; 24.2). Todavia, diz-se dele algumas coisas que revelam, no mínimo, que não tinha uma fé tão sadia; pelo contrário, sua fé parecia ser significativamente sincretizada: ele praticava encantamentos e agouros (Nm 22.7; 24.1). Mas, levando-se em consideração que Balaão não era hebreu e que vivera até então longe de qualquer contato com o povo de Israel, esses sincretismos são compreensíveis. Balaão morava na Mesopotâmia, "junto ao rio Eufrates" (Nm 22.5). Qual foi então o "erro de Balaão"?
Judas diz que os dissimuladores dos seus dias estavam caindo no mesmo erro de Balaão: eles estavam "tomados de ganância". Já Pedro, aludindo a Balaão, diz que ele "amou o prêmio da injustiça" (2 Pe 2.15). E qual era o prêmio da injustiça? Era a recompensa que ele receberia por amaldiçoar Israel [Nm 22.7,17; 25.11). Aqui vale fazer uma digressão para mostrarmos quais os passos lisos que em geral uma pessoa dá quando deseja manipular a graça e os dons de Deus a seu favor.
Começa a duvidar do que é óbvio na palavra de Deus. Balaão pediu para a comitiva de Balaque passar a noite com ele para ele saber se Deus era um Deus de maldições (Nm 22.8). Era óbvio que ele sabia que se Deus não se vende para abençoar, quanto mais para amaldiçoar.
Quem relativiza a revelação de Deus, relativiza também a ética divina. Por isso há mais a ser dito sobre Balaão. Ele não somente era avarento e ganancioso, capaz de tentar usar a unção por "motivos interesseiros". Ele também era capaz de "transformar em libertinagem a graça de nosso Deus". Quando Balaão não conseguiu amaldiçoar o povo de Deus, resolveu ir conhecer aquele povo mais de perto. Ele pregou uma graça inconseqüente, irresponsável e promíscua. O que o profeta passou para o povo é que nada poderia quebrar o relacionamento deles com Deus. Poderiam até pecar que nada lhes aconteceria. Foi assim que ele os levou ao erro, à imoralidade e à idolatria. De fato a Bíblia imputa a Balaão tremenda consciência em relação ao que estava fazendo. E diz que as mulheres "por conselho de Balaão fizeram prevaricar os filhos de Israel" (Nm 31.16).
Balaão é, portanto, o retrato da pessoa que manipula o carisma para fins pessoais e que, relativizando a Palavra de Deus, acaba vivendo uma mística sem ética, onde a graça de Deus aparece não como graça que justifica e transforma o pecador, mas como graça que justifica o pecado e o acalenta.
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