Pentecostalismo em debate - parte 01
Cristianismo

Pentecostalismo em debate - parte 01


Próximo de completar seu primeiro centenário no Brasil, o pentecostalismo só passou a receber maior atenção do meio acadêmico e da opinião pública nacional a partir da década de 1980. A partir daí aumentou o interesse da imprensa e da comunidade científica sobre os pentecostais.
Tal segmento vem reconfigurando o campo religioso brasileiro de várias maneiras. Uma delas é atestada quantitavivamente no seu contínuo e excepcional crescimento. Pode-se dizer que “o crescimento dos evangélicos pentecostais se constitui no principal fator da diversificação religiosa que vem ocorrendo no Brasil, a partir dos anos 1980.” (JACOB et al, 2003, p. 39).
Embora se fale muito em um crescimento do universo evangélico brasileiro, é enganoso estender tal fenômeno a todos os segmentos de origem protestante. Simone R. Bohn observa que “as religiões evangélicas pentecostais cresceram muito mais que as históricas.” (BOHN, 2004, p. 291).
Juntamente com o crescimento numérico, o impacto do pentecostalismo está sendo sentido em todo o campo religioso brasileiro e também na esfera pública política nacional.
Além disso não há como deixar de notar sua influência nos outros ramos do cristianismo: “Não se pode mais estudar o campo religioso brasileiro sem se levar a sério a carismatização do catolicismo e a pentecostalização do protestantismo histórico, nem a multiplicação de novos grupos pentecostais.” (CAMPOS, 2008, p. 45). De fato, o pentecostalismo consolidou-se como uma parte importante da religiosidade brasileira contemporânea, tanto em termos numéricos quanto em termos de influência.

Não se deterá mais sobre detalhes da história dos primórdios do pentecostalismo no Brasil. O trabalho de Freston36 já avançou bem neste sentido. Cabe destacar, baseando-se em Mariano (2005), que tanto na Assembléia de Deus quanto na outra igreja pioneira no pentecostalismo brasileiro, a Congregação Cristã do Brasil, em seu início, caracterizavam-se por sua composição majoritária de pessoas pobres e de baixa escolaridade, pela ênfase na glossolalia, pela expectativa do retorno iminente de Cristo, pelo anticatolicismo e por um comportamento sectário e politicamente apático.

O pentecostalismo abraçou o pré-milenarismo, e os pesquisadores têm visto nele uma explicação para o comportamento apático, sectário e direcionado para fora da história que tem caracterizado o pentecostalismo brasileiro. A luta justificável seria aquela por conquista de almas para Jesus numa batalha contra as tentações do mundo e as forças espirituais satânicas.
As armas para tal batalha seriam as espirituais, especialmente orações e exorcismos, e a
prática de uma vida reta, livre de vícios e de relacionamentos mais profundos com o “mundo”.
Os problemas sociais e políticos seriam reflexos desta luta, pois aqueles em posição de poder no Brasil estavam do lado do “mal”, do lado do catolicismo, da cultura brasileira, das hostes satânicas, da secularização, etc.
Composta, majoritariamente, por pessoas de classe social e nível de instrução baixos, alijados do poder temporal e minoritários na composição da sociedade brasileira, a crença pré-milenarista e apocalipsista adequava-se às conjunturas do pentecostalismo brasileiro nascente. Segundo Peixoto (2008, p. 41), “os pentecostais assumiram uma forma de ser isolacionista, retirada do mundo e de suas preocupações políticas, não formulando um modelo de sociedade que se devesse almejar. Seu projeto poderia ser denominado de a-histórico”, pois as questões de cunho social não faziam parte de sua agenda de prioridades.

O estereótipo do assembleiano (homens com ternos baratos e mulheres de longos cabelos e saias compridas) e seu legalismo (inclusive com a proibição aos membros de assistirem TV) parecem não combinar com os novos tempos.

Surgem tensões entre os tradicionalistas e aqueles que são favoráveis a uma modernização da Assembléia de Deus. Tais mudanças parecem ser cada vez mais demandadas, na medida em que há um “aburguesamento” (NIEHBUR, 1992) dos seus membros: Muitos deles começam a ascender socialmente e a ter um maior grau de instrução. Essas camadas médias urbanas começam a reivindicar uma acomodação ao contexto cultural onde vivem. “Apesar das resistências, as mudanças estão ocorrendo. São inevitáveis.

Alguns falam sobre elas com pesar, outros mencionam constrangimentos que sofriam por sua causa.” (MARIANO, 2005, p. 206). Na prática, os chamados “usos e costumes” se tornaram problemáticos e geram várias tensões internas entre os membros mais jovens e os mais velhos e entre os pastores mais tradicionais e aqueles dispostos a se adaptar às possibilidades da vida moderna e a buscar novos conversos provenientes da classe média urbana.

Algumas mudanças já são perceptíveis na busca “de algo que mantenha a tradição carismática de uma religião entusiasta, mas sem os tabus legalistas.” (FRESTON, 1994b, p. 95). A Assembléia de Deus também vem buscando, ao longo dos anos, diminuir sua postura anti-intelectual e sectária. Fundaram-se institutos bíblicos, e seus pastores agora necessitam de formação teológica. Sua Casa Publicadora vem disponibilizando vasta literatura teológica, não necessariamente pentecostal, inclusive de autores ligados ao protestantismo histórico.

A televisão, antes condenada, agora virou meio de evangelização e divulgação dos trabalhos da igreja. Apesar de ainda poder ser classificada como uma das igrejas mais conservadoras dentro do universo pentecostal, a Assembléia de Deus sofreu muitas transformações nas últimas décadas, fazendo-se necessárias novas pesquisas que busquem atualizar os conhecimentos sobre esta importante representante do pentecostalismo brasileiro.

Por outro lado, é interessante observar que na nova configuração pós-pentecostalista da religiosidade brasileira não são só os pentecostais de classe média que, embora busquem os dons do Espírito e experiências extáticas, almejam bênçãos intra-terrenas. O pentecostalismo ainda continua crescendo entre as camadas desfavorecidas: “as dificuldades materiais (...) agem como forças propulsoras do crescimento pentecostal.” (CAMPOS, 2008, p. 35). Porém, a adesão dessa nova pobreza urbana ao pentecostalismo possui, atualmente, um caráter mais pragmático e imediatista, buscando-se a graça material e emocional aqui e agora.
Fonte: Tese de Mestrado em Ciência da Religião, apresentado por Daniel Rocha na Puc Minas, sob o título: "Venha a nós o vosso reino: rupturas e permanências na relação entre escatologia e política no pentecostalismo brasileiro". Ela pode ser acessada na íntegra pelo endereço: http://www.pucminas.br/imagedb/documento/DOC_DSC_NOME_ARQUI20100503191040.pdf



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