Os dons do Espírito Santo são para hoje? Uma resposta aos cessionistas
Cristianismo

Os dons do Espírito Santo são para hoje? Uma resposta aos cessionistas


Nos últimos 100 anos houve no Brasil e no mundo inteiro uma efervescência especial em função da redescoberta dos dons do Espírito Santo. Textos como o de I Coríntios 12, empoeirados, tamanho era o desuso, e assuntos teológicos relacionados ao Espírito Santo e a milagres até então considerados obsoletos e esclerosados ─ verdadeiros apêndices da teologia, portanto desnecessários aos olhos dos teólogos ─ ganharam vida e poder de provocar a fé de milhões de pessoas na Igreja de Cristo em todo o mundo. Assim, teve início um dos mais importantes movimentos na história da fé cristã. Isso aconteceu quando as pessoas começaram a indagar: “Por quê? Por que estas coisas estão registradas nas Escrituras? Por que não se dá ênfase a elas? Por que não são usadas na prática evangelizadora da Igreja? Por que não são ensinadas? Por que não são ministradas ao povo de Deus?” E quando tudo isto começou a acontecer, surgiu o que hoje conhecemos no mundo inteiro como o Movimento Pentecostal, que no Brasil chegou no início do século XX, começando um trabalho que já perfaz milhões de membros, sendo sem dúvida a maior representação evangélica do país.

Meu primeiro ponto é o seguinte: há, em nossos dias, os que afirmam que toda essa movimentação acerca do Espírito Santo é falsa. Eles apresentam três tipos de argumentação para provar que ela não faz sentido. Dizem, por exemplo, que os dons espirituais não são contemporâneos; que esses fenômenos carismáticos cessaram no fim da era apostólica e nada de legítimo há neles.

ARGUMENTOS CONTESTADORES À MOVIMENTAÇÃO ACERCA DOS DONS DO ESPÍRITO SANTO

Primeiro Argumento: Chamo a isto de “tensão entre os meios de graça e os dons espirituais”. É o que alguns irmãos de teologia reformada colocam como primeiro obstáculo para que se admita a vigência dos dons carismáticos. Eles dizem: “Nós temos a Palavra, meio de graça por excelência, também a oração e os sacramentos, como a Ceia do Senhor, meios de graça esses que devem edificar todo o povo de Deus.
Como podemos então admitir que alguns possuam um dom especial, como o de línguas? Que diz o Novo Testamento? Que ele edifica aquele que o usa. Portanto, se outros não o possuem, isto significa que essas pessoas têm uma espécie de adicional de edificação que outros não têm. Cria-se dessa maneira uma incongruência, uma espécie de privilégio, de prerrogativa entre o povo de Deus”.

Mas que resposta se pode dar a essa colocação? A resposta é a seguinte: tal tensão nunca existiu na mente de Paulo, pois ele afirmou a Palavra como meio de graça por excelência no tempo em que os dons espirituais vigoravam. Em II Timóteo 3:16, O apóstolo diz que: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado pra toda boa obra”. Acontece que no tempo em que Paulo disse isso os dons espirituais existiam; esta era uma declaração contemporânea à manifestação do dom de línguas. Paulo afirma a Palavra como meio de graça, apta para aperfeiçoar e edificar a nossa vida, mas simplesmente não crê que as coisas sejam auto-excludentes. Posto que o dom, como o de línguas, é uma espécie de ajuda para quem está precisando de edificação adicional, e não para aquele que a tem de sobra. Pois não é para sobrar. O Espírito concede a cada um como lhe apraz, justamente porque alguns carecem desse adicional, andam tropeçando, necessitando de reforço em sua vida íntima e espiritual.

 Com isso não estou dizendo que a Palavra é insuficiente para edificar, mas que ela não é um livro, é a Verdade. Verdade essa que tem um conteúdo. Conteúdo esse que inclui a realidade dos dons espirituais. Assim, os dons só seriam competidores da Palavra se ela não os mencionasse. Mas é justamente o contrário que acontece é que a Palavra que os menciona. Daí serem eles parte da ministração da Palavra como meio de graça. Quando ela menciona algo de Deus para a nossa vida, tal coisa passa a ser a própria Palavra em ação.

Segundo Argumento: O texto de I Coríntios 13:8-10 diz que “quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado”. Com base nisto, aqueles não aceitam a contemporaneidade dos dons espirituais argumentam: “Ora, o que é perfeito e que estava sendo aguardado já veio. “Trata-se do cânon sagrado, da arrumação da Bíblia na ordem definitiva em que ela se encontra hoje; portanto os dons cessaram”.
Este segundo argumento contra a contemporaneidade dos dons espirituais gira em torno de interpretações de I Coríntios 13:8-10 e a presumível cessação dos dons. Que resposta se deve dar a esse problema?

Antes de mais nada, em momento nenhum, em I Coríntios 13:8-10, ou sequer no N.T., menciona-se que e a formação do cânon sagrado faria cesar os dons do Espírito. Acontece que nesse texto, não se diz qualquer coisa relacionada à formação do cânon sagrado, ou algo semelhante. Tampouco o N.T., apóia essa teologia. Sabemos que o que é perfeito ─ referência feita em I Coríntios 13 ─ não é apenas a Palavra, conquanto seja ela também perfeita. Além dela há muitas outras coisas perfeitas no mundo de Deus. A Palavra é perfeita, exata, fiel, mas o texto de I Coríntios parece deixar claro que se trata de uma perfeita-era, um perfeito-estado, não exclusivamente de uma coisa perfeita.

Cumpre-nos perguntar: quando Paulo fala do que é perfeito teria ele qualquer possibilidade de pensar em algo como um cânon sagrado? Será então que ao declarar que quando viesse o que é perfeito (supondo que fosse a formação do cânon sagrado), dons e tudo que é em parte seriam aniquilados? Estaria ele pensando realmente no cânon sagrado?

Na mente de Paulo ─ sem a menor sombra de dúvida ─ o que era perfeito, o que viria, era a parousia, ou seja, a segunda vinda de Cristo. Ele se referia à consumação geral de todas as coisas. A prova de que em I Coríntios 13:8-10 o que é perfeito não é o cânon sagrado, e sim a vinda do Senhor, está no próprio texto. Ele fala por si mesmo através de algumas das metáforas que usa. E quais são elas? A primeira metáfora é a que se refere ao desenvolvimento do ser humano. Diz o texto: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino (...)”. (v.11) Em II Coríntios 3:18 Paulo se refere mais uma vez ao crescimento humano em Cristo: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando como por espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”. E assim se ensina que o homem-em-Cristo vai se desenvolvendo, atingindo estatura, sendo transformado, ganhando varonilidade e absorvendo a imagem adulta da própria divindade. Em ambos os textos (I Co. 13:8 e II Co. 3:18), o mesmo ponto de perfeição é apontado: a realização humana final em Cristo, na sua volta.

A segunda metáfora que Paulo usa é a contemplação no espelho. Ele diz que hoje nós estamos contemplando o Senhor como por espelho, opaca e obscuramente, mas um dia iremos vê-lo plenamente. Outra vez o texto de II Coríntios 3:18 será para nós muito esclarecedor. Nele Paulo usa de novo essa mesma metáfora, e diz o que tal figura significa. Estamos vendo hoje indiretamente a face do Senhor, através da Palavra e da reflexão da fé, como por espelho; mas estamos indo de glória em glória, sendo diariamente mudados pela ação do Espírito, que faz nosso caráter se conformar ao de Cristo. Tal processo durará até aquele dia, quando o Senhor voltar. Teremos então a nossa substância-essencial glorificada; seremos semelhantes à sua imagem. Essa será à glorificação da nossa própria vida no Senhor, quando absorvermos a totalidade da natureza essencial de Deus.

Portanto, o que é perfeito em I Coríntios 13 não é o cânon sagrado ─ ainda que a Palavra seja perfeita e impoluta. Aquilo a que Paulo se refere é a paraousia, a consumação geral, a glorificação dos cristãos, quando então seremos semelhantes ao Senhor ─ perfeitos,em comunhão íntima, vendo-o face a face, quando poderemos abrir mão da fé, porque já não haverá necessidade de crer naquilo que não vemos; a esperança de nada servirá, pois teremos alcançado tudo quando hoje esperamos; e ficará tão somente o amor, porquanto tudo quanto se vive diante do Deus que é amor, é amor. Dessa forma Paulo está ali se referindo à consumação geral, no dia eterno em Cristo Jesus. Esse é o perfeito que aniquilará todas as coisas temporárias.

Se supusermos que a formação com o consequente encerramento do cânon sagrado, aniquilou os dons, então esse entendimento vai destruir a própria teologia, pois não apenas as línguas e profecias cessariam, mas também ciência passaria. Em I Coríntios 13:10, Paulo diz: “Quando, porém, vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado”, Lembre que ele disse: “...havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará” O que estou querendo dizer é que esta hermenêutica e esta exegese ─ que diz que o que é perfeito é o cânon sagrado ─ reside no fato de que o cânon foi formado e as Escrituras estão aqui, completas, perfeitas. Em razão disso profecias desapareceram, dons passaram; mas nesse caso não só línguas e profecias teriam passado, mas a própria teologia, pois o texto é claro quando diz: “... havendo ciência passada”. A ciência aí referida não é, entretanto, a secular. Esta não passou, cresce a cada dia. A referência é à ciência do contexto antecedente, que é precisamente a espiritual, referida antes (I Co. 12:9), e de cuja sabedoria a teologia depende fundamentalmente. Então a própria teologia acabaria quando da formação do cânon sagrado. Por isso é que eu digo que se trata de uma tremenda contradição, essa de, em nome da teologia reformada e do cânon sagrado, acabar-se com os dons espirituais como línguas e profecia, e não fazer tal interpretação cair também sobre o dom de ciência. Assim, em nome da teologia, acabar-se-ia com a teologia. 

Se os que não crêem na contemporaneidade dos dons espirituais pelos menos fizessem uma exegese imparcial, sem pretender apenas forçar e arbitrar em cima da cessação de alguma coisa, sem perceber as implicações amplas do texto, então eu me sentiria satisfeito. Mas como tal raciocínio acabaria com a própria teologia, como acabaria a ciência do pensar teológico, eles optam então por fazer sua exegese terminar com as línguas e profecias, nas não com a ciência teológica. Além do que, mesmo que tais teólogos fossem suficientemente honestos para levar os resultados de sua teologia às últimas conseqüências, isso também se chocaria com Daniel 12:4, que nos diz o contrário ─ que nos últimos tempos a ciência teológica estaria em pleno desenvolvimento, ou seja, no tempo do fim, o Livro Santo teria esquadrinhado e o saber sobre ele se multiplicaria imensamente.

Terceiro Argumento: Neste ponto o discurso é o seguinte: “A História da Igreja não registra, entre  400 e 1700, relatos de legítimas manifestações de dons espirituais. Se tais dons fossem de fato bíblicos e para hoje a Igreja não nos teria desprezado”.

Admitindo que não possamos acreditar no que dizem alguns biógrafos sobre a prática dos dons espirituais na vida de Lutero e outros importantes homens de Deus do passado, ainda assim esse argumento não prova nada além do seguinte: que a vida espiritual da Igreja praticamente morreu nesse período; que nesse tempo havia total ignorância das Escrituras e que, em vista disso, a ênfase dos reformadores se dirigia às questões soteriológicas, ou seja, às questões relacionadas à doutrina da salvação, pois era nesse campo da teologia que residiam as polêmicas daqueles dias.

Argumentar que na história da Igreja não houve manifestação dos dons, e que isso prova que eles cessaram não evidencia nada, pois entre os anos 400 e 1500 também não houve nenhuma ênfase na doutrina da justificação, pela fé, o que não significa que Deus parou de salvar. Além do que, usar a história como meio de provar que os dons cessaram não faz sentido com o melhor da nossa hermenêutica reformada, que nos ensina que não é a História que julga a Palavra, mas a Palavra que julga a História.


O QUE ACONTECEU AOS DONS ESPIRITUAIS ENTRE OS ANOS 400 E 1700

Faço, no entanto, uma pergunta: O que aconteceu aos dons espirituais entre os anos 400 e 1700? Sugiro quatro respostas a esta questão.
Primeira Resposta: A ignorância espiritual e bíblica que o Catolicismo Romano infundiu no povo impediu o florescimento dos dons durante esse tempo. Do ano 400 até a Reforma, e pouco além, como os reformadores tinham preocupações de caráter mais soteriológico do que carismático e escatológico ─ assuntos em que raramente tocam em seus escritos ─, não houve quase nenhuma reflexão teológica a respeito dos dons. O fato é que a Igreja Católica se encarregou de infundir uma ignorância espiritual absoluta na mente das pessoas.
Segunda Resposta: Os pré-reformadores ─ levantados por Deus antes da Reforma ─ ergueram sua voz falando em nome de Deus, sem quase mencionar o assunto dos dons. A verdade é que eles tinham outros temas a tratar ─ mais importantes e perigosos para o Evangelho ─, e que os preocupavam muito mais, como: o poder do papado, a salvação pelas obras, a bruxaria na Igreja, e inclusive a venda de indulgências.

Terceira Resposta: A mesma preocupação soteriológica dos pré-reformadores também envolveu a mente dos reformadores. Dizer que os dons não são vigentes porque estes não falaram neles deveria levar-nos pelo menos às seguintes decisões extremadas:
1 - Jogar fora o livro de Tiago, porque Lutero não o entendia, e era de opinião que não devia fazer parte do cânon sagrado.

2 - Jogar fora também o livro do Apocalipse, porque Calvino o julgava complicado demais, e afirmava não o compreender muito bem. Para Lutero, havia uma divergência quase inconciliável entre a teologia de Paulo e a de Tiago. Para Calvino ─ como já disse ─ o Apocalipse era inextrincável. Nem por isso desprezamos Tiago, ou queimamos o Apocalipse.
3 - Os dons se manifestaram em algumas ocasiões, e de maneira descontrolada, o que levou os líderes a temê-los pelo que aconteceu: falta de educação no seu uso. Do ano 400 para cá verificaram-se manifestações, mas tão loucas, que as lideranças ficaram simplesmente apavoradas. Além disso, do terceiro para o quarto século houve os problemas com os montanistas, grupo carismático fanático que se levantou e influenciou tremendamente alguns segmentos da igreja, os quais viviam profetizando sobre a vinda do Senhor. Eles criaram um alvoroço tão grande na Igreja, que as lideranças ficaram apavoradas com tudo que dizia respeito a manifestações carismáticas. 


Continua na próxima postagem... 



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