EXISTE COMUNIDADE PERFEITA?
Cristianismo

EXISTE COMUNIDADE PERFEITA?


Quando nós, hoje, falamos das comunidades, imaginamos comunidades perfeitas de gente santa. É verdade? Diante de tanta santidade, ficamos até desanimados, pois hoje é tão difícil viver em comunidade. O que se tem a dizer sobre isto?
A narração bíblica dos fatos é o que mais ajuda a desfazer a idéia de que as primeiras comunidades fossem feitas só de gente santa sem problemas.
O livro dos Atos dos Apóstolos apresenta a primeira comunidade de Jerusalém como o ideal para as comunidades de todos os tempos. Lucas caprichou naqueles pequenos resumos que ele fez da vida dos primeiros cristãos (At 2,42-47; 4,32-35; 5,12-16). O ideal da comunidade, ele o colocou bem perto da fonte, que é a ressurreição de Jesus.
Mas Lucas não escondeu a realidade dura da caminhada. Lendo nas linhas e nas entrelinhas, a gente percebe que havia muitos problemas e dificuldades. Não era gente tão santa e tão diferente de nós, como, às vezes imaginamos. Eis a lista de alguns destes problemas da primeira comunidade: 1. Tentativa de Ananias e Safira de usar a comunidade para se promover (At 5,1-11); 2. Briga entre os "hebreus" (judeus convertidos da Palestina) e os "helenistas" (judeus convertidos da diáspora) por causa da assistência diferente dada às viúvas (At 6,1); 3. Tensão interna por causa da liderança nova de Estêvão: o grupo dos helenistas, ligado a Estêvão, é perseguido e deve fugir, enquanto os apóstolos, (provavelmente, o grupo dos hebreus), continuam em Jerusalém (At 8,1); 4. Tentativa de alguns de comprarem o carisma e o dom do Espírito Santo por meio de dinheiro (At 8,19); 5. Falta de gente para anunciar o evangelho (At 8,31); 6. Perseguição dos cristãos por parte dos sacerdotes (At 4,1-3) e, mais tarde, por parte dos fariseus (At 8,1-3: Saulo é fariseu); 7. Conflito entre os cristãos vindos do judaísmo e os que tinham vindo do paganismo (At 15,1); 8. Incerteza e dúvida de Pedro: não sabe como se comportar nem como enfrentar o problema (Gl 2,11-12); 9. Cobrança feita a Pedro por parte de um grupo mais conservador que não concordava com ele (At 11,2-3.18); 10. Falta de coordenação geral, pois as coisas vão acontecendo e os apóstolos só ficam sabendo depois (At 11,19-22).
Mesmo assim, apesar de todas estas dificuldades, a animação do pessoal era muito grande. Eles não desanimavam, e as comunidades cresciam (At 2,41.47; 4,4; 5,14; 6,1.7; 9,31; 11,21.24; 16,5; etc.).
As comunidades eram um novo modo de ser Povo de Deus!Ora, o mesmo vale para as comunidades fundadas por Paulo nas grandes cidades do império romano. Só que nelas os conflitos e os problemas eram bem maiores. Algumas destas dificuldades já foram vistas nesta entrevista. Vou tentar lembrá-las aqui, acrescentando algumas outras. Indico apenas o fato. Não é aqui o lugar de aprofundar este assunto. Eis a lista provisória:1. Falta de instrução até por parte de líderes como Apolo que nada entendia do batismo (At 18,25-26); 2. Continuava a influência de João Batista, a ponto de várias pessoas só conhecerem o batismo dele; nada sabiam do Espírito Santo (At 19,1-3); 3. Divisões internas por causa das linhas diferentes de Paulo, de Apolo e de Pedro (1Cor 1,12; 4,6); 4. Mentalidade grega em choque com a mentalidade judaica: o conceito de autoridade do grego é mais "democrático" (vem por discussão aberta), e o do judeu é mais "tradicional" (vem por tradição), o que foi uma das causas do conflito que havia entre Paulo e a comunidade de Corinto (2Cor 10,8-11; 12,11-18; 13,2-4); 5. Os cristãos vindos do judaísmo tinham chegado ao ponto de tentar destruir o trabalho dos cristãos vindos do paganismo: eram os "falsos irmãos" (Gl 2,4-5; 6,12-13; 1Ts 2,14-16); 6. Brigas pessoais de Paulo com Barnabé por causa de Marcos (At 15,37-39), e de Paulo com Pedro por causa da linha diferente (Gl 2,11-14); 7.
Mentalidade grega que não conseguia aceitar a ressurreição (At 17,32; 1Cor 15,12); 8. Falsos doutores espalhando confusão nas comunidades (1Tm 4,1-7); 9. Problemas com a religiosidade popular dos povos da Ásia Menor (At 14,11-18); 10. O problema do lugar da mulher nas comunidades: nem tudo estava claro (1Cor 11,3-12; 14,34-35; 1Tm 2,9-15); 11. O problema dos carismas, usados por alguns para se promover a si mesmos e não para construir a comunidade (1Cor 14,1-32); 12. Falta de respeito de uns para com a fragilidade da consciência dos outros (1Cor 8,7-13; Rm 14,1-15); 13. A pretensão de alguns de usar a liberdade em Cristo como pretexto para a libertinagem (1Cor 6,12-20; 5,1-13); 14. Divisão social e falta de ordem durante a realização da Santa Ceia (1Cor 11,17-34); 15. Vontade de alguns de seguirem o ideal grego da vida intelectual sem trabalhar com as próprias mãos, enquanto Paulo queria exatamente o contrário (2Ts 3,10-12).
Os problemas eram muitos e o povo das comunidades não era santo nem perfeito. Era espelho do que acontece hoje, onde gente bem intencionada de diferentes origens e mentalidades decide caminhar juntos. A fraternidade é um desafio! Grande parte destes problemas eram problemas de transição. As comunidades eram o novo modo de ser Povo de Deus. A transição do modo antigo para o modo novo não foi fácil. Paulo foi o instrumento para ajudar nesta transição sem a qual a igreja teria naufragado e jamais teria chegado até nós.
Foi a transição do mundo judaico para o mundo grego; do mundo rural da Palestina para o mundo urbano da Ásia Menor e da Grécia; do mundo mais ou menos harmonioso e coerente do judaísmo para o mundo pluralista das grandes cidades do império, cheias de conflitos; de uma situação de comunidades soltas, quase sem organização, para uma situação de comunidades bem organizadas; de uma igreja fechada, feita só de judeus convertidos, para uma igreja aberta, que acolhe a todos; do período dos apóstolos, ou seja, da primeira geração de líderes, para a igreja pós-apostólica da segunda geração de líderes que já não tinham tido contato com Jesus pessoalmente; de uma igreja, cuja doutrina e disciplina vinham em grande parte do judaísmo, para uma igreja que começava a elaborar e organizar a sua própria liturgia, doutrina e disciplina; de uma religião ligada às comunidades bem situadas dos judeus da diáspora, para uma religião mais ligada ao povo pobre das periferias urbanas das grandes cidades do império romano; de uma religião que cultivava o ideal da classe dominante, para uma religião que tinha a coragem de apresentar um novo ideal de vida ao povo trabalhador: "ocupar-se das suas próprias coisas e trabalhar com as próprias mãos: assim não passarão mais necessidade de coisa alguma" (1Ts 4,11-12).



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