Crítica ao Pré-tribulacionismo
Cristianismo

Crítica ao Pré-tribulacionismo



“Não desprezeis as profecias.”
(1ª Tessalonicenses 5:20)

Este ensaio propõe uma reflexão sobre o Pré-tribulacionismo, considerando apenas alguns de seus pontos doutrinários, e não seu histórico. É importante, contudo, que o leitor informe-se a respeito do surgimento do Pré-tribulacionismo (e, se for o caso, do Dispensacionalismo), levando em conta que esta doutrina é recente; não existiu na Igreja Primitiva, nem originalmente no Protestantismo, a idéia do Pré-tribulacionismo, embora certos cristãos primitivos, sendo os mais famosos Justino e Irineu, cressem numa forma de Pré-milenismo, enquanto o Amilenismo predominava entre os reformadores. É difícil imaginar o pré-tribulacionismo como algo diferente de um fruto da imaginação fértil do ser humano. Também não é o intuito deste ensaio defender esta ou aquela corrente, mas apenas discernir mito e realidade dentro do pré-tribulacionismo, e proponho tal conforme dois pressupostossine quibus non do pré-tribulacionismo, a saber, a Inerrância das Escrituras Bíblicas e a inexistência de controvérsias escatológicas na era apostólica. Se este dogma não for considerado, todo o pré-tribulacionismo ruiria.

Mas o que vem a ser pré-tribulacionismo? Basicamente, é a corrente de pensamento escatológico que defende que a Segunda Vinda de Jesus Cristo dá-se em duas fases, resumidamente:


O arrebatamento secreto, no qual Jesus Cristo não toca a terra, e, invisível, ressuscita os mortos salvos e arrebata os vivos salvos, conforme é apresentado em 1ª Tessalonicenses 4:13-17, sendo que este arrebatamento pode acontecer a qualquer momento. Após este arrebatamento, segue-se sete anos (baseado na profecia de Daniel 9:24-27, bem como suas semelhanças com o livro do Apocalipse) de tribulação no mundo inteiro (o Reino do Anticristo / da Besta), em que Deus toma a vingança pelos pecados, vingança esta profetizada no Antigo Testamento. Enquanto isto, Jesus estaria com os salvos nos céus, celebrando as Bodas do Cordeiro. Segundo os pré-tribulacionistas, durante este período de sete anos, o Espírito Santo deixaria de habitar a terra, baseado na interpretação particular e dogmática de 2ª Tessalonicenses 2:7, mas, ainda segundo eles, seria possível haver conversões e salvação nesta época.

A vinda visível, ao fim dos sete anos das Bodas e da Tribulação, em que Jesus retorna com os salvos, para destruir os seus inimigos: a besta, o falso profeta e seus exércitos, aprisionar Satanás e implantar o Reino Milenial, no qual Jesus Cristo reinaria por 1000 anos literais com sua Igreja, sobre as nações da terra. Depois Satanás seria solto, para tentar as nações da terra, e então jogado no Lago de Fogo e Enxofre. Depois ocorreria o Juízo Final sobre os mortos que não participaram da primeira ressurreição, e finalmente, a eternidade.

Vale salientar que este interpretação pré-tribulacionista jamais é sistematicamente apresentada na Bíblia. Ela é baseada numa montagem de diversos versículos, que, para os pré-tribulacionistas, é harmônica, mas que não faz nenhum sentido para os que não crêem no pré-tribulacionismo. Analisemos agora, cada ponto isoladamente.

O primeiro ponto a ser considerado é o de que a Segunda Vinda seja dividida em dois períodos: um para os salvos e outro para o mundo. Tal divisão jamais é apresentada na Bíblia. Pelo contrário: Paulo mostra claramente que o arrebatamento da Igreja e a vingança contra o mundo ocorrem no mesmo período. Analise 2ª Tessalonicenses 1:7,8. O próprio Sermão Profético (Mateus 24 e 25; Marcos 13; Lucas 21, mas também 17:20-ss) só fala de um evento da Segunda Vinda, e ocorre após a tribulação, como vemos nitidamente em Mateus 24:29-31.

Eles usam dois argumentos básicos para defender essa idéia. O primeiro argumento é o de que existem, na realidade, dois termos para definir a Segunda Vinda, e que um (hARPAdZO) refere-se à primeira fase (arrebatamento), enquanto o segundo (PAROYSIA), seria a própria vinda visível.

Tal argumento, contudo, não encontra base nas escrituras. O termo PAROYSIA é usado tanto para se referir à vinda visível quanto para o “arrebatamento”: confira 1ª Tessalonicenses 4:15 a 2ª Tessalonicenses 2:8. O texto Nestle-Aland (UTF8) assim lê nestas passagens (grifo do autor):

τουτο γαρ υμιν λεγομεν εν λογω κυριου οτι ημεις οι ζωντες οι περιλειπομενοι εις την παρουσιαν του κυριου ου μη φθασωμεν τους κοιμηθεντας (1ª Tessalonicenses 4:15)

και τοτε αποκαλυφθησεται ο ανομος ον ο κυριος ανελει τω πνευματι του στοματος αυτου και καταργησει τη επιφανεια της παρουσιας αυτου (2ª Tessalonicenses 2:8)

Também o substantivo EPIFANEIA (“manifestação”) é empregado em ambas as situações. Assim diz o Nestle-Aland em 1ª Timóteo 6:14 (grifo do autor):

τηρησαι σε την εντολην ασπιλον ανεπιλημπτον μεχρι της επιφανειας του κυριου ημων ιησου χριστου (1ª Timóteo 6:14)


Tanto nesta passagem quanto em 2ª Tessalonicenses, já mostrada, aparece o mesmo substantivo:EPIFANEIA. Portanto, não há base alguma para um arrebatamento secreto anterior à vinda literal: o o próprio arrebatamento acontece durante a MANIFESTAÇÃO. É impensável algo ser, ao mesmo tempo, manifesto e secreto. Pelo contrário, a vinda de Jesus, conforme Atos 1:9-11 e Lucas 21:27,28, é visível. Ambas as passagens se encaixam perfeitamente em Mateus 24:30 e Apocalipse 1:7. A chamada “Grande Tribulação”, conforme mostrado em Mateus 24:15-28, acontece ANTES da vinda, não depois: os próprios cristãos são aconselhados a fugirem da Judéia (Mateus 24:16-18). Retornaremos a este assunto.

O segundo argumento usado por eles é o de que, segundo 1ª Tessalonicenses 1:10; 5:9 (e diversos outros versículos), o arrebatamento só pode acontecer antes da tribulação, porque esta seria a forma de Jesus livrar os crentes da “ira futura”. Porém não é isso que esses versículos dizem! Se a Segunda Vinda dá-se em um só momento, todos nós estaremos protegidos e livres da vingança (conforme 1ª Tessalonicenses 5:2-9; 2ª Tessalonicenses 1:7,8).

É interessante comparar Mateus 24:43; Lucas 12:39; 1ª Tessalonicenses 5:2,4; 2ª Pedro 2:10-12; Apocalipse 3:3; 16:15. Em todas essas passagens a Segunda Vinda de Jesus é comparada ao ladrão da noite, inesperado. Mas como vemos em 2ª Pedro 2:10-12, esta Segunda Vinda destrói (literalmente ou metaforicamente) o mundo, tomando a vingança encontrada em 2ª Tessalonicenses 1:7,8. Já 1ª Tessalonicenses 5:1-4 é continuação de 1ª Tessalonicenses 4:13-18: ao contrário do que os pré-tribulacionistas podem dizer, o Dia do Senhor, anunciado pelos profetas do Antigo Testamento, é claramente o Dia de Jesus Cristo, que, assim com Noé e Ló (Lucas 17:26-30), ao mesmo tempo salva alguns e toma vingança de muitos. Note que tanto em Apocalipse 3:3 quanto em Apocalipse 16:15 é pregada a mesma mensagem, a de que Jesus ainda viria.

Mas um detalhe muito importante: ao contrário do que prega o pré-tribulacionismo, o Dia do Senhor e a Grande Tribulação são duas coisas distintas. Enquanto o Dia do Senhor é sobre todo o mundo (Sofonias 1:18; Apocalipse 6:15-17), causando aniquilação completa (2ª Pedro 3:10-12), ainda que havendo esperança de salvação (Sofonias 2:3), a Grande Tribulação ocorre apenas na Judéia: conforme Mateus 24:15-28, já citado, é possível fugir desta tribulação a pé. A tribulação é simplesmente o ataque a Jerusalém realizado no ano 70 da nossa era, que pode ser analisada por meio da obra de Flávio Josefo. A causa queda de Jerusalém foi a rebelião judaica do ano de 66 d.C. Primeiramente Verspasiano, e depois seu filho Tito, atacaram Jerusalém: quem permanescia dentro dos muros da cidade morria de fome, e quem fugia morria à espada (quadro semelhante: Ezequiel 5:12). O morticínio, contudo, aconteceu sobre os judeus. Os cristãos fugiram para Pela. Ou seja, fugiram como Jesus Cristo os avisou para fugirem. Obs: erram aqui os preteristas ao defenderem que a destruição do Templo põe fim ao Judaísmo; na realidade este fim dá-se na morte de Jesus: compare Mt 27:51a; Efésios 2:14-16. Veja também que o Sermão Profético é uma resposta à questão dos discípulos acerca da destruição do Templo (Mateus 24:1-3). Não existe base para crer que o Dia do Senhor e esta tribulação sejam a mesma coisa. O Dia do Senhor é a vingança de Deus sobre a terra; a tribulação é a vingança permissiva de Deus sobre o povo de Israel. Confira Lucas 23:28-30. Confira também que em Isaías 4:11,17 lê-se que no Dia do Senhor só Ele será exaltado; não existe espaço neste 'Dia' para exaltação à Besta através de sua imagem.

Recomendado: Leitura do livro do profeta Sofonias, e os cinco primeiros capítulos de Isaías, que mostram o peso do Dia do Senhor.


Outro argumento dos pré-tribulacionistas é Daniel 9:24-27. Eles afirmam que as 69 (7+62) primeiras semanas referem-se ao tempo entre a ordem para a reconstrução do templo até a morte de Jesus, sendo cada dia dessas 69 semanas equivalente a um ano, perfazendo 483 anos. Afirmam também que a última semana só se cumpre no fim dos tempos, ou seja, há uma brecha entre a 69ª e a 70ª semanas.

Isto, porém, me parece um absurdo! Daniel 9:24 é clarissímo: são 70 semanas de tempo cronológico, não 69 semanas, centenas de semanas, e, por fim, mais 1 semana. É um prazo de tempo! Não existe nenhum motivo ou prova bíblicos para se afirmar que esta semana seja separada das 69. Também não existe motivo bíblico para que, mesmo sendo uma semana separada das doutras, esta se cumpra se cumpra no nosso futuro. E mesmo que se cumpra no nosso futuro, também não existe motivo bíblico para crer que seja uma referência à tribulação! É preciso fazer três suposições para que essa semana seja empregada como querem os pré-tribulacionistas, além da quarta suposição, a de que o arrebatamento é logo antes dessa semana. Além disso, não existe texto bíblico que afirme que as Bodas do Cordeiro estejam contidas num período de sete anos, mesmo que seja este o tempo da tribulação. Veja que só após a derrota sobre a Babilônia espiritual anuncia-se as Bodas do Cordeiro (Apocalipse 19:1-7), e isto, segundo os pré-tribulacionistas, só ocorreria ao fim da tribulação.

Além disso, afirmar que a maioria dos acontecimentos do livro do Apocalipse dão-se após a o arrebatamento da Igreja faz com que estas informações tenham pouquíssima utilidade. Que importa à Igreja saber de acontecimentos pelos quais ela não passará? Qual o propósito da profecia bíblica, senão edificar, exortar e consolar (1ª Coríntios 14:3), para o que for útil (1ª Coríntios 12:7)?

Que utilidade há em informar a Igreja do primeiro século acerca de eventos que só ocorreriam séculos e milênios depois? É evidente que as informações dos primeiros e dos últimos capítulos são muito úteis, mas boa parte do livro não! A mensagem de Apocalipse 1:3 é de que se deve guardar as palavras da profecia, e que o tempo está próximo (não de nós, mas de João).

Veja que existem outras interpretações, como a de que este período de tempo se cumpriria com Antíoco IV, sendo Onias III o sumo sacerdote de Daniel 9:26, assassinado por seus rivais (ou seja, uma interpretação de 70 semanas de dias literais). Contudo, não é o propósito deste ensaio demonstrar esta interpretação particular.

Erram também os pré-tribulacionistas quando pregam que o Anticristo surgiria durante (e não antes) da tribulação dos sete anos. Biblicamente, o Anticristo surge ANTES da vinda de Jesus (2ª Tessalonicenses 2:1-4), e na época dos apóstolos já o mistério da injustiça operava (2ª Tessalonicenses 2:6-12). Paulo fala claramente como se o anticristo estivesse às portas, e não como uma personagem do futuro. Isto, é claro, se realmente o 'anticristo' . Ver também 1ª João 2:18; 4:3.

SE a Primeira Besta do livro do Apocalipse (caps 13) realmente é o Anticristo, então o anticristo já pode ter vindo. Não é difícil encontrar as semelhanças entre a Primeira Besta e Nero Claudius Caesar Augustus Germanicus. Não é segredo que a cidade de Apocalipse 17 seja Roma; na época de João, era a única cidade que poderia satisfazer às condições de Apocalipse 17:18. Assim como Roma está rodeada de sete colinas (Aventino, Caélio, Capitolino, Esquilino, Paladino, Quirinal, Viminal), também a 'Prostituta' de Apocalipse 17:9.

Em Apocalipse 17:9-11 fala-se de sete reis. É fácil identificar estes reis com nomes de blasfêmia (Augusto, ou Divino, atribuido a esses reis, Apocalipse 13:1) com Otávio (1º), Tibério (2º), Calígula (3º), Cláudio (4º), Nero (5º), Vespasiano (6º) e Tito (7º). Veja que Apocalipse 17:10 confirma que o que virá (Tito) durará pouco tempo, e realmente ele reinou por apenas dois anos. Verspasiano seria aquele que está vivo enquanto João recebe a revelação, ou enquanto escreve o livro. A Besta é ao mesmo tempo o 8ª (Domiciano) e é um dos sete (Nero), uma vez que são duas Bestas, uma com o poder da outra (Apocalipse capítulos 13 e 14). Agostinho (Civitate Dei, XX.19.3) testemunha de que havia a crença de que Paulo havia se referido a Nero como “mistério da injustiça” (ou iniquidade). Existe também a especulação de que Nero Ceasar, na pronúncia grega e transliterado para o hebreu, resulta no valor 666. Não é o meu propósito defender esta interpretação preterista. Até mesmo porque em 2ª Tessalonicenses 2:8 é mostrado que na vinda de Jesus, o anticristo (?) é aniquilado. Ele precisa, portanto, estar vivo no futuro. A menos, é claro, que esta seja uma interpretação exclusiva de Paulo. Ainda assim seria possível interpretar a Besta e o Anticristo como pessoas diferentes.

Um outro problema do pré-tribulacionismo é a ressurreição. Ensina-se que Jesus Cristo, durante o arrebatamento, ressuscita os mortos que nele creram. Segundo a teologia paulina, o arrebatamento e a ressurreição dão-se em um único momento (1ª Tessalonicenses 4:13-17). Mas conforme nós vemos em Apocalipse 20:4-6, a ressurreição dos justos dá-se após a suposta 'grande tribulação'. Se estes são os justos que ficaram para trás e foram mortos na tribulação, então onde o Apocalipse mostra ressurreição anterior, se o próprio Paulo fala de apenas uma transformação, dos vivos e dos mortos (1ª Coríntios 15:51,52; cf. Filipenses 3:20,21; 1ª Tessalonicenses 4:13-17)?



loading...

- O "arrebatamento Secreto"- Uma Das Farsas Do Pré-milenarismo
Você provavelmente já viu um adesivo num carro que diz algo como “Em caso de arrebatamento esse carro ficará desgovernado.” O que isso quer dizer? Os pré-milenaristas ensinam que Jesus virá e que, naquela hora, todos os que “estão em Cristo”...

- Subsídio Para Ebd - A Vinda De Jesus Em Glória
Creio na segunda vinda de Cristo (Hebreus 9:28), não em terceira vinda, que é o que o dispensacionalismo pré-milenista ensina, ao dizer que a vinda de Jesus ocorrerá em duas fases. Dizem que a primeira fase será em oculto (o arrebatamento), e a...

- Arrebamento Secreto: Fato Ou Ficção?
Muitos sinceros cristãos crêem que a Segunda Vinda de Cristo ocorrerá em duas fases distintas. A primeira fase é conhecida como “o arrebatamento secreto” da Igreja e pode ocorrer a qualquer momento. Nessa ocasião, Cristo desce apenas para as...

- Questionamentos Sobre O Arrebatamento E A Grande Tribulação
“Em caso de arrebatamento, este carro vai ficar desgovernado”. Esta frase é encontrada adesivada em muitos automóveis em nossas cidades. Para os não-evangélicos não faz o menor sentido. Mas para os evangélicos, principalmente os pentecostais,...

- A Vinda De Jesus E A Grande TribulaÇÃo
A vinda de Jesus será visível: Todo o olho o verá (Apocalipse 1:7); virá do céu assim como subiu (Atos 1:11); Assim como o relâmpago, sai do oriente e se mostra no ocidente, assim será vinda do Filho do Homem (Mateus 24:27). Jesus disse que “depois...



Cristianismo








.